Jamais poderia imaginar, com tantos desafios numa terra estrangeira, reencontrar um amor do passado. Estávamos migrando para o sul quando avistamos outros refugiados vindos do oeste e seguindo para a mesma direção. Nossa esperança era encontrar alguma comunidade organizada, alimentos, segurança, comunicação, esperança de encontrar amigos e parentes. Tudo parecia perdido, mas com uma gota de esperança, como sempre.
Fiquei com um pequeno grupo do Nordeste, os recifenses. Eram simples e fortes, acolhedores, falantes. Adotaram-me logo como “Vaqueta”, não sei até hoje o porquê (vaqueta de espingarda= mulher alta e magra). Ajudei a cuidar das crianças e aprendi a fazer alguma comida com o que conseguíamos encontrar no caminho ou o que carregamos desde lá de cima. Caminhamos por muitos dias, por entre florestas e planícies, sonhando com dias melhores, tendo pesadelos com possíveis fracassos e sofrimentos.
(…)
Apesar de estar disfarçada, pude avistar muito bem os dois que estavam à minha frente, sentados na roda junto à lareira. Danilo. Um pouco fora de forma, com o semblante preocupado, mas era ele, com certeza era ele. Reconheci o filho ao seu lado. Devia ter uns 7 anos, cabelos lisos pretos, mais agitado e observando as pessoas, enquanto que o pai o vigiava e lhe dava instruções. Em mim houve um misto de sentimentos: surpresa, alegria, nervoso, medo, mas ao fim, um alívio por estar por trás daquela máscara. Pude observá-los por algum tempo sem ser percebida. Aliás, me lembro bem de algum tempo atrás ter buscado por ele nas redes sociais. Encontrei fotos recentes de sua família, que até então era desconhecida pra mim. Vi que tinha se casado com uma moça chamada Júlia, e tiveram um filho, Bento. Lembro que vibrava cada vez que descobria algo de uma pessoa do passado, e aquelas fotos da família de Danilo eram, sem dúvida, uma descoberta digna de espiões.
SM
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